01 abril 2007

Conto: Meu velho amigo

Meu velho amigo.
Crescemos juntos. Nas minhas primeiras lembranças ele já existia.

Inclusive na lembrança do dia em que a casa desabou. Eu tinha uns cinco anos.
Brincávamos numa pequena sala, bem iluminada. Ele era muito inteligente, logo enjoava das brincadeiras e ficava inquieto, procurando com que se divertir.
Na parede da sala havia uma rachadura. Foi por longos minutos observada, minuciosamente. Ele estudava aquela rachadura, como quem atacaria qualquer um que o atrapalhasse, sem dúvida.
De repente pegou um prego e começou a martelar dentro da fenda. Martelava com destreza que nem tinha. Não demorou muito a rachadura se espalhou pela parede, a casa começou a tremer, e o teto a descer, em pedaços. Foi tudo muito rápido.

Ele tinha o dom pra destruição. Não que destruir fosse seu objetivo. Simplesmente enxergava as coisas de maneira diferente. Com bastante nitidez percebia toda uma estrutura apoiada sobre um pequeno ponto fraco. Não o condeno por querer tocar nos pontos fracos, afinal se meu dom fosse tocar guitarra, eu gostaria de ser ouvido.
Crescemos e percebemos que também as pessoas tinham rachaduras. Na verdade as pessoas eram frágeis demais. Quase sem querer fazíamos desabar a dignidade delas, ruir o orgulho, esfarelar a vaidade. E não era preciso mais que lhes mostras pequenas verdades, ou fatos.
Rapidamente nos restou apenas a companhia um do outro. E nosso dom era uma maldição. E a solidão nosso prêmio.


Deixar de fazer aquilo pra que éramos bons tornava vazia a nossa vida. Mas melhor que a solidão, muito melhor.

Nós, digo, ele está sendo, de pouco em pouco, transportado a uma entidade a qual entitulei Velho amigo. Como sugeriu o psicólogo.
Não sobrará muito de mim quando, enfim, eu me despedir do meu velho e incompreendido amigo destruidor.